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Desfecho Caso João Paulo: 13 anos após crime, júri terminou em 2003 em decisão unânime; saiba resultado e veja trechos do julgamento

Treze anos após a morte do garoto João Paulo Brancalion, de 9 anos, o júri do caso, enfim, ocorreu. Foram dois dias, 10 e 11 de março de 2003, até que os jurados chegassem a uma decisão, de forma unânime. O quinto episódio do podcast “Medo do Escuro – O Caso João Paulo”, disponibilizado nesta quarta-feira (28), detalha pela primeira vez trechos do julgamento, além, é claro, de mostrar o resultado.

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Depoimento do acusado
O primeiro depoimento foi exatamente o do réu, que está sendo identificado nesta série pelo nome fictício de Joaquim.

O ex-voluntário do oratório afirmou que é inocente, negou que a vítima teria ajudado a guardar materiais esportivos naquele dia e que a encontrou no freezer quando procurava refrigerantes para o almoço. A seguir, confira a reprodução de trechos desse depoimento:

A ida de Joaquim até o colégio para checar as batatas à noite, já citada por ele outras vezes no inquérito policial, é alvo de dúvidas do advogado José Silvestre da Silva, advogado da família da vítima.

“Como ele sabia? Ele não era o cozinheiro. Como ele sabia que sobre a pia da cozinha existiam batatas? Que história é essa? Daí, à meia-noite, ele tentou entrar no colégio e não conseguiu porque lá existiam cães bravos e começaram a latir, latir, latir até que um padre sai lá e diz: ‘volta amanhã’. Quer dizer, eu, à meia-noite, eu preocupado com batatinha que ficou sobre a pia da cozinha?”, questiona.

A tese de acusação
Também prestou depoimento no júri o delegado José Maria Franchim, que concluiu o inquérito. Além de detalhar novamente os pontos que o levaram a apontar Joaquim como o autor do crime, Franchim admitiu que a polícia não conseguiu chegar ao motivo do crime e relembrou os pontos que o levaram a indiciar o réu:

que o acusado foi a última pessoa que foi vista com a vítima;
que foi ele que encontrou o corpo em um freezer desativado e que não era usado para nada
que na sala de materiais que só ele teria a chave e onde a vítima teria sido vista com ele pela última vez, foi encontrada uma mancha de sangue na porta;
que uma pessoa da família de Joaquim teria chamado testemunhas para pedir que falassem à polícia que não se lembravam do que ocorreu.
A tese de defesa
Quando foi dada a palavra para Ralph Tórtima, advogado de defesa do réu, ele defendeu a sua tese, que é baseada no fato de que as testemunhas-chaves da acusação se contradizem durante seus vários depoimentos no inquérito policial.

Uma dessas testemunhas, identificada no podcast como Vinícius, por exemplo, disse nos primeiros depoimentos que foi embora com João Paulo do colégio após o final das atividades, mas quase quatro anos depois, em outros depoimentos, afirmou que, na verdade, na última vez que viu João Paulo, ele deixou o amigo sozinho na sala de materiais esportivos da escola com Joaquim.

E foi na sala de materiais esportivos que a faxineira do colégio – outra testemunha-chave – disse que encontrou manchas de sangue depois. No entanto, essa faxineira também não falou dessas manchas nos primeiros depoimentos dela.

Investigações reiniciadas
Tórtima também questionou Franchim se não levou em consideração o que foi apurado antes dele assumir o caso. Confira a seguir um trecho desse diálogo:

“Quando eu assumi o inquérito, eu vi que realmente as pessoas que estavam ali, não tinham nenhuma informação a respeito, e não podiam dizer nada realmente. Porque foi um fato que aconteceu num local praticamente privado, onde só entravam as crianças, e o adulto que está do lado de fora não ia ter informação de dentro. Então eu falei que realmente continuar com esse tipo de investigação não ia levar a nada”, afirmou o ex-delegado.
Ele disse que, então, se apoiou em uma nova linha investigativa. “Nós devíamos começar a fazer investigação com as pessoas que estavam no local no dia dos fatos. E esse pessoal eram as crianças. Então começamos a ouvir as crianças. Aí começou a vir alguma informação boa, que a gente pôde dar prosseguimento e chegar num desfecho”.

Depoimento de testemunha-chave
Já Vinicius reafirmou no júri o que disse nos seus últimos depoimentos no inquérito, de que na hora de guardar materiais esportivos estavam juntos ele, a sua irmã, João Paulo e Joaquim. E que, depois disso, ele e sua irmã deixaram a sala de depósito dos materiais e ficaram lá João Paulo e Joaquim.

Vinicius foi questionado por duas pessoas sobre ter prestado depoimentos diferentes. Primeiro, a Ralph Tórtima, advogado do réu, disse que não mentiu e que não sabia porque apresentou versões diferentes. Confira o diálogo a seguir:

Depois, um jurado, que não é identificado nos autos, voltou a tocar nessa questão e a testemunha negou ter sofrido pressão durante as investigações. Veja o trecho da conversa abaixo:

Jovens na piscina no início da noite
Ainda no júri, um padre que foi vice-diretor do colégio contou que no sábado em que João Paulo desapareceu, depois da missa, por volta das 18h, viu um grupo de jovens tomando banho na piscina do colégio. Veja o trecho abaixo:

Esse padre não cita que viu João Paulo entre essas pessoas, embora o conhecesse. Mas o relato seria utilizado pela defesa do réu para levantar a hipótese de afogamento, que também foi apontada pelo perito Badan Palhares, pelo fato do corpo ter sido encontrado com sinais de contato com água.

Por outro lado, o promotor de acusação, Eduardo Campana, defendeu a tese de homicídio por causa dos vários ferimentos encontrados no corpo e porque ele foi encontrado no freezer e não na piscina. Além disso, tanto a mãe de João Paulo quanto frequentadores do oratório afirmaram para a polícia que o menino não sabia nadar e não costumava frequentar piscinas.

Apenas um depoimento foi diferente disso. Em 28 de abril de 1993, um ex-oratoriano afirmou para a polícia que ele nadou com João Paulo e outros garotos na piscina do colégio no sábado em que ele desapareceu. Mas que, às 16h, Joaquim chegou e disse que o horário da piscina estava encerrado. Então, esse adolescente disse que saiu com outros garotos para ver o jogo de futebol que passava na TV e depois Joaquim se sentou pra assistir também, mas não viu mais João Paulo.

Enfim… A sentença
Após leituras dos autos, depoimentos de testemunhas e sustentações orais de advogados e promotor, por unanimidade, o ex-voluntário foi absolvido das acusações pelos sete jurados, que consideraram as provas apresentadas insuficientes.

“É um reconhecimento da inocência dele. É um reconhecimento de que ele não matou ninguém. Então, isso tem um significado de retomada de vida”, afirmou Ralph Tórtima, advogado de defesa, em entrevista à EPTV na época da absolvição.
Mas, por outro lado, havia uma família ainda sem ver uma solução a respeito da morte do garoto João Paulo. Em entrevista à EPTV, no dia seguinte ao julgamento, Toninho Brancalion, pai do garoto, disse que ia esgotar todas as tentativas para buscar Justiça.

“Vou continuar lutando, se Deus quiser, com todas as minhas forças, até quando puder. Até resolver esse caso”, garantiu.

Recurso questiona parcialidade de jurados
Naquele mesmo dia, José Silvestre da Silva, advogado de Toninho, disse que ia entrar com um recurso para pedir a anulação do julgamento. Segundo o defensor, jurados que votaram pela absolvição do réu tinham filhos estudando no colégio, o que, na avaliação dele, comprometeria a imparcialidade deles pra julgar o caso.

“”Eram pessoas impedidas […] Nós gostaríamos, sim, que fosse feita uma avaliação, que fosse constatado, que fossem identificadas as pessoas. […] E quem me passou, sabia. Mas eu eu não podia identificar, porque precisava que a própria pessoa dissesse: ‘realmente, eu tenho os filhos aí’. Isso era motivo? Sim, como não?”, afirmou ao g1.
Dez dias depois, no dia 27 de abril, a juíza Meibel Farah negou o recurso e justificou que o advogado não indicou quais são os jurados. E que também não foi apontado que algum jurado tivesse interesse material ou moral na condenação ou absolvição do réu.

Arquivamento do caso
Recursos do MP e assistente de acusação pedindo anulação do julgamento foram negados em outras instâncias. Veja abaixo o trecho de uma das decisões, do Tribunal de Justiça de São Paulo:

Em 19 de março de 2012, 22 anos após a morte de João Paulo e nove anos após o julgamento, o juiz Rogério de Toledo Pierri, da Vara do Júri de Piracicaba, declarou que não era possível mais recorrer e determinou o arquivamento do caso. Desde então, não aconteceram novas movimentações.

Pai do garoto, Toninho Brancalion falou em entrevista à EPTV, em frente ao Fórum, sobre a dor permanente que a perda do filho lhe causou.

“Acompanho direto. Faz 13 anos acompanhando esse fato, fórum direto, sempre, tem julgamento, não tem, com essa dor no coração. E vou levar até o resto da minha vida”.
Uma dor que desperta empatia de quem vivenciou o caso de perto.

Como o desfecho é sentido
“Se para nós é doloroso, imagino para o João Paulo que foi vítima e para a família dele. Existe um grau de dor de toda a comunidade, de toda a cidade, do país que ficou comovido, mas evidentemente o próprio João Paulo, o sofrimento físico, todas as formas de sofrimento e a sua família também pela crueldade, pela saudade, pela ausência do garoto”, lamenta o escritor Ademir Barbosa Júnior, conhecido como Dermes, que estudava no colégio Dom Bosco na época do crime.

Já Assis Fernando de Mello, que era um dos melhores amigos de João Paulo, revela que até hoje ainda se comove com a falta de solução para o caso.

“É, isso aí causa, vamos dizer assim, um sentimento que é normal, que é uma angústia, né? Imagina uma coisa assim não ter uma resolução. É melhor que tenha e seja feita de uma forma dura mesmo. Então, é mais o sentimento que a gente tem, que é um pouco de angústia. Em geral, de todos, acredito, né? Dos familiares, dos amigos, conhecidos”.
Para o jornalista Miromar Rosa, que fez a cobertura do caso, é preciso relembrá-lo justamente por essa falta de respostas.

“’Ai, vai lembrar de novo do caso?’. Tem que lembrar, sim, porque não tem um responsável, não tem um culpado. Isso aconteceu, isso não é filme, isso não é ficção. Mataram uma criança de 9 anos, entendeu?”, justifica.

Para Silvestre, advogado da família da vítima, o resultado final está relacionado unicamente à decisão dos jurados, que são representantes da sociedade.

“Se não houve o reconhecimento por parte da sociedade, aí quem tem de responder por isso é a sociedade, aquela que clama por justiça, aquela clama por igualdade, aquela que diz que somos todos iguais perante a lei […] Uma situação como essa, com tudo que foi feito. Você viu tantos volumes dos autos do processo, a situação que a criança foi encontrada.”
Delegado seccional de Piracicaba na maior parte do tempo da investigação, Sérgio Augusto Dias Bastos também defende o trabalho da polícia no caso.

“O que me entristeceu realmente foi o resultado. Isso eu tive conhecimento posteriormente, porque foi um trabalho brilhantíssimo do doutor Franchim que foi jogado água abaixo. E até hoje Piracicaba não tem uma resposta satisfatória para o ocorrido, quando tecnicamente, cientificamente tudo está demonstrado.”
Já Franchim, que concluiu o inquérito policial, ressalta a independência das instituições ao comentar o desfecho.

“O meu trabalho termina quando eu relato inquérito. Daí pra frente a responsabilidade não é mais minha. […] Eu respeito o que aconteceu lá na frente porque os entendimentos podem ser diferentes […] Houve a denúncia, houve o julgamento. Aí cada um é responsável pela sua parte. Eu fui pela minha e fiquei satisfeito. E como estou satisfeito até agora”, aponta.

Justiça determina indenização à família
A família de João Paulo também processou o Colégio Dom Bosco em uma ação cível, já que o corpo foi encontrado dentro da escola.

A defesa do colégio afirmou na ação que as atividades do oratório tinham como objetivo retirar as crianças ociosas das ruas e dar a elas formação humana e lazer, que o colégio e oratório ficavam abertos para livre circulação no final de semana, e quem administrava as atividades eram voluntários, assim como o próprio Joaquim.

Também argumentou que o crime aconteceu nas férias escolares, quando não aconteciam atividades pedagógicas no local. E que, portanto, o João Paulo compareceu não como aluno, mas como mero frequentador do oratório, já que a presença não era obrigatória.

A defesa ainda afirmou que no inquérito policial não há provas sobre horário e local da morte da vítima. E que, por isso, não poderia ser descartada a possibilidade de que o corpo foi levado pra escola depois do crime, já que o garoto teria sido visto fora dela após as atividades, segundo alguns depoimentos iniciais.

A Justiça considerou que as provas no inquérito apontam que houve homicídio e que ocorreu dentro da escola. Também apontou que mesmo que o oratório fosse uma atividade extracurricular, o colégio tinha o dever de guarda e vigilância do garoto quando ele tivesse lá dentro.

A escola foi condenada a pagar uma indenização para os pais, além de uma pensão. Segundo o advogado da família e um familiar, essa pensão continua sendo paga até hoje.

Em nota ao g1, o Colégio Dom Bosco afirmou que “se pauta pela transparência”, “tem uma trajetória de posicionamento ético”, que se solidariza com a dor dos familiares e amigos de João Paulo e que sempre prestou auxílio à família e às autoridades. Leia abaixo o texto na íntegra:

“Como instituição de ensino que se pauta pela transparência nas relações mantidas com os diversos públicos, o Colégio Salesiano Dom Bosco de Piracicaba tem uma trajetória de posicionamento ético nas mais diversas situações.

A atual diretoria da instituição assumiu as atividades em 2021 e, sempre que solicitada, tem se pronunciado sobre as mais diversas questões que envolvam o colégio e toda a comunidade escolar.

Em relação à morte do aluno João Paulo Brancalion, ocorrida em dezembro de 1989, o Colégio se solidariza com a dor dos familiares e amigos, que têm a dor revivida em diversas situações que retomam o caso.

Destacamos que o Colégio sempre prestou auxílio à família e às autoridades. Ressaltamos ainda que todas as informações sobre o caso estão detalhados nos documentos que compõem o processo judicial”.

Trinta e cinco anos após o crime, Toninho Brancalion concedeu entrevista ao g1. Entre outras coisas, ele contou o que se lembra da última vez que viu e falou com o filho.

“Vi ele dormindo. E falei com ele, por telefone. Ele ligou pra mim vim abrir a casa da avó, da minha mãe. Não sei o que ele queria pegar lá”.
No próximo episódio, o último desta série, o g1 mostra como estão atualmente familiares, amigos e outras pessoas ligadas ao caso, e como lidam com as memórias da tragédia.

Fonte: G1


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