João Carlos de Oliveira era um atleta conhecido. Mas, naquele 15 de outubro de 1975, tudo mudou. Com a marca de 17,89m, ele levantou o público presente ao estádio na Cidade do México, levou a medalha de ouro no salto triplo naqueles Jogos Pan-Americanos e estabeleceu um recorde mundial que duraria dez anos.
A partir dali, o atleta seria rebatizado. João Carlos de Oliveira se tornaria para sempre João do Pulo.
João, o do Pulo, entraria de vez para a história do esporte brasileiro ao longo dos anos seguintes, em uma carreira tão brilhante quanto meteórica. Bicampeão no Pan tanto do salto em distância quanto do salto triplo, e duas vezes medalhista olímpico de bronze no salto triplo (em Montreal, em 1976, e em Moscou, em 1980).
– O João era diferente. Ele tinha aquela pitadinha de pimenta que só a vovó pode dar. Só ele tinha. Outros tantos devem ter e não colocaram em evidência. Ele teve. Ele aproveitou – afirmou Pedro Henrique de Toledo, o Pedrão, técnico do triplista ao longo de toda sua carreira.
A diferença de João era reunir elementos atléticos formidáveis e um carisma único, que cativava a todos pelos lugares onde passava. Essa junção de qualidades o fez sair de Pindamonhangaba, no interior de São Paulo, sua terra natal, e rapidamente chegar à seleção brasileira para dar sequência à tradição brasileira de grandes nomes no salto triplo – com o bicampeão olímpico Adhemar Ferreira da Silva (ouro em 1952 e 1956) e Nelson Prudência (prata em 1968 e bronze em 1972).
Além de ser um dos maiores saltadores da história, ele também era um velocista de muito relevo – sua melhor marca nos 100m rasos era de 10s1. Para dimensionar seu peso no salto triplo, sua marca de 17,89m seria suficiente para ir ao pódio em todas as edições dos Jogos Olímpicos desde 1976. O registro foi recorde sul-americano por 32 anos, até Jadel Gregório quebrá-lo em 2007 (17,90m).
– O João era uma pessoa que chegava e o mundo parava. Naturalmente atraía as pessoas, tinha um carisma absurdo. Todo mundo queria estar perto dele, onde estivesse – rememorou o hoje técnico e ex-atleta Neílton Moura, contemporâneo de João.
João do Pulo morreu em 29 de maio de 1999, um dia após completar 45 anos, com cirrose hepática e infecção generalizada. Estava havia anos afastado do esporte. Mais precisamente, desde 22 de dezembro de 1981, quando após ser paraninfo de uma turma de Educação Física em Campinas sofreu um violento acidente na Via Anhanguera – um carro entrou na contra-mão e bateu em cheio no dele. Devido à gravidade do incidente, teve a perna direta amputada cerca de dez centímetros abaixo do joelho. Aos 27 anos, ainda no auge, nunca mais saltaria.
– O médico chegou para mim e falou: “Pedrão, não tem jeito. Ou a perna ou a vida”. Ou a perna ou a vida, e eu tinha de decidir. Tomei a decisão mais difícil que tive – comentou Pedro Henrique, que estava no hospital ao lado de João naquele dezembro de 1981.
Na sequência da tragédia, João do Pulo enfrentou um período difícil, marcado por questões com o álcool e isolamento. Um pouco mais adiante, cumpriu dois mandatos como deputado estadual.
– Quando sofreu o acidente, ele ficou bem, bem caído. Quando teve que amputar a perna o mundo dele caiu. O nosso. O que ele fazia dependia da perna e foi o que ele perdeu. Ele ficou muito, muito , muito triste. Para ele era o fim, né? – disse Ana Maria de Oliveira, irmã de João.
Vinte anos depois de sua morte, o legado não chegou ao fim. O GloboEsporte.com reuniu quase 30 atletas e ex-atletas que prestaram uma homenagem à lenda do atletismo nacional no estádio da Ponte Grande, em Guarulhos, onde João treinou em seus anos finais de carreira. Entre os presentes estava a campeã olímpica do salto em distância Maurren Maggi.
– Ele foi uma inspiração para mim e para muitos brasileiros. Independentemente de ter a medalha [olímpica de ouro], é o grande nome do atletismo. Um dos maiores do mundo – disse Maurren.
– Não tenho dúvidas de que se a Maurren ganhou essa medalha, se a gente existe, é por causa do salto de 1975 do João – complementou Neilton Moura.
O ouro de João poderia ter vindo nos Jogos de Moscou, em 1980, não fosse uma polêmica que se arrasta há quase 40 anos. Por causa da Guerra Fria, os Estados Unidos boicotaram aquela Olimpíada e os soviéticos reinaram com 195 medalhas – recorde absoluto por país até hoje. Nesse clima, João, favorito ao pódio, teve quatro saltos considerados nulos pelos árbitros e ficou com o bronze, atrás dos soviéticos Jaak Uudmäe (ouro) e Viktor Saneev (prata).
Segundo Pedro Henrique de Toledo e Conceição Geremias, técnico e amiga de João que estavam presentes ao Estádio Olímpico de Moscou e acreditam que João saltou mais de 18 metros.
– Imagina o meu desespero vendo que ele não estava queimando e a luz dava queimado. O australiano [Ian Campbell] mesma coisa. O que eu vi ali? Eu vi o João em primeiro, o australiano em segundo e os soviéticos em terceiro e quarto – disse Conceição, ex-decatleta.
– O João merecia ter ficado com uma mina de ouro. Ele saltou muito lá na frente. Eu estive na Rússia depois, fazendo um curso com o chefe dos técnicos na União Soviética na época. Ele falou que foi roubo, e era o responsável pela prova – emendou Pedro Henrique.
Em meio a polêmicas e triunfos, restaram as memórias dos grandes feitos.
– Ele foi tão grande quanto foi o Eder Jofre, um ídolo que eu tenho do boxe. Como foi Maria Esther Bueno no tênis. O Biriba no tênis de mesa. O Amaury Pasos, o Oscar. Um Ayrton Senna, um Piquet. Esse foi o nível que ele alcançou – afirmou José Maria de Aquino, jornalista que cobriu os Jogos de Moscou, em 1980.
– Ele foi um presente que Deus me deu. Para mim não, para o Brasil. João foi, para mim, o melhor atleta que o Brasil já produziu – concluiu Pedrão.
Fonte: Globo esporte
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