Sem os efeitos da supersafra que carregou o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro no primeiro semestre, o novo resultado da atividade confirma a expectativa de analistas de uma desaceleração da economia.
Neste terceiro trimestre, o PIB do país teve alta de apenas 0,1%, conforme divulgou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta terça-feira (5). Especialistas ouvidos pelo g1 esperavam um resultado entre queda de 0,5% a estabilidade em relação ao trimestre anterior.
Agora, as atenções estão no futuro: quais fatores podem desencadear uma desaceleração mais intensa, e quais podem reverter a tendência e trazer um ritmo melhor em 2024?
Os economistas têm tido dificuldades de cravar os resultados em suas projeções — parte disso porque não é mais tão intuitivo saber os efeitos de medidas macroeconômicas no dia a dia.
Alguns exemplos:
A alta dos juros ainda não causou efeitos significativos no mercado de trabalho, o que ajuda o país a manter o consumo;
Com consumo presente, o setor de serviços tem resistido: desacelerou, mas em ritmo mais lento que o esperado;
Além disso, possíveis impulsos fiscais no futuro, como o pagamento dos precatórios atrasados, podem injetar bilhões na economia — e, consequentemente, acabar aquecendo a demanda.
Por outro lado, o patamar de juros ainda é alto, e os efeitos podem se arrastar e atingir os próximos meses;
Ao mesmo tempo, esses efeitos dos juros e do alto endividamento das famílias, que haviam impactado pouco o consumo, passaram a mostrar mais as caras;
E um outro ponto de piora é o cenário externo: uma recessão nos Estados Unidos pode retrair os investimentos globais e complicações da China podem afetar nossas exportações;
Por fim, o cenário é de incerteza sobre os efeitos do El Niño na safra de 2023/2024, e boa parte do PIB deste ano vem de commodities agrícolas.
Essas dúvidas que permeiam a cabeça dos economistas são chamadas de “balanço de riscos” no jargão dos profissionais. Analistas ouvidos pela reportagem explicam o racional por trás de cada um dos tópicos.
Veja a seguir.
Juros altos e o consumo
O Brasil iniciou um ciclo de queda da taxa básica de juros em agosto. Mas, por quase um ano, a Selic permaneceu em patamar bastante alto, de 13,75% ao ano.
Juros mais altos elevam o custo do crédito, reduzindo o consumo das famílias e o investimento de empresas — ao menos na teoria. Nesse período, houve algum impulso de consumo por meio de benefícios sociais, enquanto o mercado de trabalho se aquecia.
Em setembro, último mês do terceiro trimestre, o país tinha taxa de desemprego em 7,7%, a mais baixa desde o trimestre terminado em fevereiro de 2015. Também houve recorde histórico de trabalhadores ocupados, com 99,8 milhões de trabalhadores.
Já o rendimento médio real foi de R$ 2.982 em setembro, um aumento de 1,7% no trimestre e de 4,2% no ano.
Claro que o mercado de trabalho brasileiro ainda passa por um processo de normalização desde a destruição de vagas durante a pandemia de Covid-19, mas são números que contrariam a lógica de um país com juros altos.
A melhora do mercado de trabalho ajudou muito a manter o consumo de serviços, o principal no PIB. A expectativa era de que esse setor teria sofrido muito mais até aqui.
— Juliana Trece, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre)
O endividamento das famílias também pesou menos do que o esperado no primeiro semestre em virtude de medidas fiscais tomadas pelo governo. São os casos do aumento real do salário mínimo e do reajuste para beneficiários do programa Bolsa Família.
São medidas que injetaram capital em famílias de renda mais baixa, trazendo mais consumo de bens não-duráveis, como alimentos. É uma situação que pode não se repetir no ano que vem, pois a previsão é que os preços subam sem os efeitos de oferta da supersafra de 2023.
‘Para o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, as travas de crédito e desaquecimento da economia por conta dos juros devem mostrar mais as caras neste segundo semestre, o que já fez economistas revisarem para baixo a projeção de fechamento do PIB para este ano.
Houve surpresa no primeiro semestre, mas o segundo está decepcionando mais do que se imaginava. O efeito negativo dos juros em serviços, no varejo, na indústria está se tornando mais claro com o tempo.
— Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados
Vale projetava queda de 0,5% neste trimestre e aposta em um PIB na casa dos 2,7% ao final do ano. “O risco é voltarmos para um cenário de 2017 a 2019, em que as commodities não estavam com desempenho brilhante e a economia relativamente fraca.”
Mas a economista-chefe da SulAmérica Investimentos, Natalie Victal, coloca ainda mais uma questão no radar, que pode bagunçar o jogo: o pagamento de precatórios pelo governo federal.
A equipe econômica tem planos de quitar os valores ainda neste ano. A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, quer enviar ao Congresso Nacional uma Medida Provisória para criar crédito extraordinário para permitir o pagamento do estoque de R$ 95 bilhões.
“É um montante importante de recursos que, quando entrarem, têm potencial para gerar um aquecimento temporário de consumo”, diz a economista.
Investimentos sentiram o peso
Por outro lado, Juliana Trece, do FGV Ibre, indica que a ação dos juros foi mais determinante pelo lado do empresariado. As taxas mais altas, somadas às indefinições da agenda econômica do governo, foram freios até aqui e são pesos para os próximos trimestres.
O segmento de Formação Bruta de Capital Fixo, que mede os investimentos, está em queda muito forte neste ano. Além dos juros, entram na conta a crise fiscal e a reforma tributária, que atrasam as decisões de empresários.
— Juliana Trece, economista do FGV Ibre
Recentemente, o governo federal revisou sua previsão de déficit primário para mais de R$ 170 bilhões em 2023. A desconfiança do mercado sobre o governo lidar com seu próprio endividamento deixa o capital estrangeiro mais afoito.
Além disso, a reforma tributária ainda está em aberto. Empresários preferem um pouco mais de visibilidade antes de botarem a mão no bolso.
Essa aversão ao risco traz um efeito direto nos juros e no câmbio, e faz com que o patamar mínimo da Selic fique mais alto que o previsto. Em resumo: mais espera para destravar o cenário e água no chopp para quem planeja investimentos a longo prazo.
Fonte: G1
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