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Por que o Bitcoin consome tanta energia? Entenda a segurança ‘antieficiente’ das criptomoedas

O avanço da capacidade de processamento dos computadores normalmente nos permite fazer algo mais rápido ou consumindo menos energia, além de abrir portas para a inovação.

No mundo das criptomoedas, porém, isso não acontece: por mais que a capacidade de processamento melhore, as transferências financeiras continuarão levando o mesmo tempo e consumindo até mais energia do que antes.

Se as criptomoedas fossem um carro, é como se ele tivesse dois motores – e um deles está trabalhando na direção contrária, impedindo o veículo de avançar e aumentando o consumo de combustível.

Essa lógica de funcionamento, descrita como “antieficiente” por David Gerard, escritor crítico das criptomoedas, é a explicação para o consumo elétrico impressionante do Bitcoin.

Estudos apontam que a mineração da criptomoeda esteja utilizando a mesma energia que a Argentina inteira.

Como as criptomoedas são manipuláveis por natureza – já que não possuem uma autoridade central –, essas operações supérfluas foram a solução encontrada para barrar intervenções.

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O atraso intencional da ‘prova de trabalho’
Validar as transações realizadas através do Bitcoin não exige muitos recursos, mas o custo não é zero.

Para criar um incentivo, a moeda foi idealizada de modo a distribuir novos bitcoins para aqueles que dedicassem um computador a essa tarefa – esses seriam os “mineradores”.

As transações são colocadas em blocos de dados matematicamente conectados um com o outro, e o software do Bitcoin considera que a rede com mais blocos é a preferencial.

Isso gerou dois problemas para o Bitcoin:

Todo minerador seria beneficiado por ser “egoísta”, processando as transferências rapidamente para acumular muitos blocos e somar bitcoins apenas para si mesmo.
Também havia um risco de que um minerador criasse uma nova rede com mais blocos, assumindo o posto de rede preferencial para desfazer transferências antigas e recuperar moedas já gastas.
Diferente do real ou do dólar, as criptomoedas não dispõem de uma instituição que organiza o sistema de pagamentos. Era preciso um mecanismo para barrar esses comportamentos de modo igual a todos os participantes da rede.

Essa é a finalidade da “prova de trabalho” das criptomoedas. Além das transferências, cada bloco de dados possui um número de escolha livre do minerador.

Este número é colocado em uma fórmula cujo resultado precisa estar de acordo com um critério adotado pela rede. Se não estiver, o processo é repetido até que se encontre um número adequado.

Para que a rede pudesse crescer e acompanhar inovações tecnológicas sem mudar sua velocidade (no caso do Bitcoin, é um bloco de transferências a cada dez minutos), também foi criada mais uma regra: a fórmula recebe um ajuste automático de rigidez quando os blocos começam a ser calculados antes do prazo de dez minutos.

Quando o poder de processamento dos mineradores melhora e o volume de apostas (paga com os cálculos de processamento) consegue obter um resultado correto mais rápido que o previsto, a conta imediatamente fica mais difícil.

Segurança com ‘loteria expansível’
A expansão da “loteria” diminui as chances do minerador de acertar a aposta – o que exige mais apostas e, portanto, mais cálculos.

Como os equipamentos que realizam esses cálculos consomem energia elétrica, o gasto só aumenta e, quanto mais rápidos esses equipamentos forem, maior a loteria vai ficar – repetindo o ciclo e impedindo ganhos de eficiência.

A prova de trabalho é tida como a segurança da rede de Bitcoin. Quanto mais trabalhoso é encontrar um bloco válido, mais difícil é de refazer blocos antigos e manipular a moeda, pois todo o “trabalho” teria de ser refeito.No método de prova de trabalho, o preço do trabalho é o preço de manipulação da rede.

A prova de trabalho não foi inventada pelo Bitcoin – a ideia data de 1999. A maioria das moedas ou serviços financeiros dispensa essa tecnologia, já que os bancos e bandeiras de cartões operam redes baseadas em confiança, não em “trabalho”.

Hipoteticamente, a criptomoeda poderia ter adotado outras soluções, mas a prova de trabalho fazia parte da visão de uma moeda descentralizada.

Visão perdida pelo caminho
A ideia original por trás do Bitcoin previa um mundo em que cada pessoa poderia usar seu computador ou notebook para contribuir com a validação das transferências, evitando a concentração do controle da rede.

A moeda, porém, foi na direção oposta. Mineradores profissionais desenvolveram ASICs (circuitos integrados de aplicação específica, na sigla em inglês), que são feitos sob medida para resolver a fórmula do Bitcoin.

A existência dos ASICs afasta qualquer computador doméstico da loteria da mineração – é como tentar concorrer com aposta única enquanto os mineradores profissionais fazem milhares apostas por vez.

A mineração do Bitcoin é hoje realizada por empresas dedicadas a esse trabalho, tornando o processamento concentrado.

O Centro de Cambridge para Finanças Alternativas (CCAF, na sigla em inglês) estima que a região de Xinjiang na China acumule 35% de todo o poder de processamento do Bitcoin, enquanto o país asiático como um todo chegue a 50%.

Como o poder de processamento determina quem pode gerar blocos válidos com mais frequência, qualquer grupo que detiver mais de 50% do poder de processamento será capaz de reverter transferências, obtendo de volta aquelas moedas que já foram gastas.

Os especialistas chamam esse cenário de “ataque de 51%” – daí a importância da descentralização.

Onde entram as placas de vídeo?
O Bitcoin é minerado com chips ASIC, mas outras criptomoedas, como a Ethereum, são mineradas por chips gráficos, que são mais rápidos para executar a prova de trabalho dessa moeda do que os chips de uso geral.

A demanda por placas de vídeo para a mineração tem preocupado usuários que precisam delas para outras finalidades, pois o mercado, que já está com estoques reduzidos, tende a ficar ainda mais pressionado.

A Nvidia, a maior fabricante chips gráficos do mundo, anunciou que seu modelo mais novo, a RTX 3060, tem uma trava que corta seu desempenho em 50% nas tarefas de mineração.

Em paralelo, a empresa anunciou um conjunto de placas dedicadas a isso, chamadas de “CMP” (“processador de criptomineração”, na sigla em inglês). Segundo a companhia, o objetivo seria isolar a demanda de mineração, reservando unidades para os demais usuários.

O problema é que as placas CMP não terão nenhuma saída de vídeo, impedindo a reutilização das peças no futuro.

Críticos da medida apontam que a Nvidia não está ajudando os consumidores, mas sim se protegendo de uma inevitável queda das vendas quando as placas usadas para mineração inundarem o mercado de hardware usado – algo que já aconteceu com sua maior concorrente, a AMD.

Como as CMPs dificultam a utilização da peça para outros fins, ela estaria tirando do consumidor a possibilidade de comprar uma peça usada por um preço menor no futuro, forçando a aquisição de hardware novo.

Como o uso elétrico do Bitcoin é estimado?
O consumo elétrico é uma das principais preocupações dos mineradores e faz parte das especificações das máquinas mineradoras. Tanto a capacidade delas como o seu consumo elétrico são conhecidos.

Também se sabe que essas máquinas trabalham 24 horas por dia, com períodos de trabalho de 10 minutos (um prazo definido pelo próprio Bitcoin).

Da mesma forma que as criptomoedas ajustam suas fórmulas para garantir o ritmo desejado dos blocos de transações, é possível obter uma média de quantas vezes o processo de cálculo precisa ser repetido nesse intervalo.

Isso revela a terceira informação necessária para calcular a estimativa: o total de processamento realizado pela atividade de mineração.

A partir desses dados, pode-se calcular quantas máquinas são necessárias para finalizar a tarefa nos dez minutos estipulados pelo Bitcoin.

Somando o consumo elétrico de todas essas máquinas, tem-se um número aproximado do total de energia necessário para a mineração.

Sem mudanças à vista
Além do consumo elétrico, a fabricação de hardware dedicado à mineração também consome recursos – mão de obra, eletricidade e até os materiais para a produção dos chips e fontes de energia.

Tanto as placas dedicadas para mineração anunciadas pela Nvidia como os ASICs criados para o Bitcoin praticamente não tem utilidade para outras tarefas de computação.Em países ocidentais, preocupados com suas emissões de carbono, a chegada de mineradoras de Bitcoin nem sempre tem sido bem-vinda, já que elas aumentam a carga na rede elétrica e podem aumentar a dependência de geradoras menos limpas, como as termelétricas.

Defensores do Bitcoin alegam que a mineração pode ser alimentada por energia renovável, mas isso não tem ocorrido na prática: uma reportagem de janeiro do site chinês 8tbc afirma que mineradores chineses têm migrado para países escandinavos para fugir do aumento do preço do carvão que alimentava essas operações.

Algumas criptomoedas prometem soluções alternativas, incluindo fórmulas mais robustas que não podem ser aceleradas por ASICs ou placas de vídeo, o que evita a produção de hardware descartável. Uma dessas moedas é a Monero.

Mas isso gera outras consequências – entre elas, há um incentivo para o uso de softwares de mineração não autorizados.

Estudo aponta que 4,3% de todas as moedas Monero foram mineradas por vírus
Outra saída para esse problema é o conceito de “prova de posse”, que deveria substituir o mecanismo de “prova de trabalho”.

Na “prova de posse”, não haveria mineração, mas sim uma espécie de compra dos direitos de participar do processo de validação de transações, o que evitaria uma competição desenfreada.

Essa tecnologia vem sendo prometida pela moeda Ethereum desde 2014, mas o futuro da proposta é incerto.

No Bitcoin, qualquer mudança colocaria em xeque os milhões de dólares investidos em equipamentos dedicados ao Bitcoin.

Existe uma grande resistência para alterar ou mesmo aprimorar o protocolo e a tecnologia – na prática, além de frear as fraudes, a prova de trabalho do Bitcoin se transformou em um freio da própria inovação.

Fonte: G1


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