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Contratos por telefone e vai e vem de parcerias: entenda realidade do vôlei de praia rumo a Tóquio

O fim da parceria entre André e Alison na última segunda-feira, já durante a corrida olímpica do vôlei de praia para Tóquio 2020, surpreendeu e trouxe à tona problemas históricos da modalidade. Apesar das 13 medalhas olímpicas conquistadas desde 1996, o vôlei de praia no Brasil ainda carrega consigo algumas características amadoras. Atletas e comissão técnica não formalizam contratos, e as parcerias são estabelecidas, em sua grande maioria, através de uma ligação ou mensagem via telefone. Ou seja, são contratos baseados na palavra e na confiança.

Com tanta informalidade, é simples constituir e interromper um time da noite para o dia. Nesse caso, atletas são frequentemente surpreendidos por trocas repentinas, ficando sem parceiros e garantias. 100% das duplas masculinas que tentam uma vaga nas próximas Olimpíadas se reconfiguraram desde a Rio 2016. Em média, esses duplas tiveram três formações diferentes desde o último ciclo olímpico.

Bruno Schmidt, por exemplo, que foi campeão ao lado do Alison na Rio 2016, terminou a parceria com Mamute em maio de 2018, depois jogou oito meses com Pedro Solberg, e agora iniciou a corrida olímpica com Evandro. O mesmo aconteceu com Vitor Felipe, Álvaro Filho, Guto, Saymon, Evandro e por aí vai. Vale lembrar que essas alterações vão além de uma simples reconfiguração das duplas, envolvem muitas vezes uma mudança estrutural, que inclui troca de cidade e o estabelecimento de um novo lar.

Apesar dessa dança das cadeiras já fazer parte da rotina dos atletas da modalidade, o fim da parceria entre Alison e Andre foi, ainda assim, impactante. Isso porque a disputa pelas vagas do Brasil para Tóquio 2020 já começou. A etapa de Doha, disputada no último final de semana, marcou o início da corrida olímpica – se classificam pelo Brasil as duas duplas que somarem mais pontos em dez torneios (valem etapas 4 e 5 estrelas do Circuito Mundial e Copa do Mundo). Uma troca no meio do caminho pode prejudicar as duplas lá na frente, eliminando até possíveis descartes.

Alison comentou o fim da parceria e agradeceu André nas redes sociais: “Não faltaram dedicação, trabalho duro e vontade”.

Quero agradecer ao André pelo convívio, pelo comprometimento e pela parceria ao longo desses dez meses. Tínhamos um sonho e seguimos o plano. Não faltaram dedicação, trabalho duro e vontade… Mas as coisas não aconteceram como gostaríamos, os resultados não vieram e isso é do esporte. Apesar de ser um menino novo, são quase dez anos de diferença entre a gente, aprendi muito, houve muita troca entre a gente, e passei a ver o vôlei de praia com um jeito diferente, me adaptando à essa nova geração. Fico triste por não termos alcançado os objetivos. Desejo tudo de bom para ele, que ele tenha boa sorte em seu caminho, que possa realizar seus sonhos, pois é uma pessoa do bem. Tenho um carinho enorme pela família e ele sabe que pode contar comigo sempre. Vai a dupla, ficam a amizade e o respeito.

– É assim que deve ser feito. Belo exemplo de respeito e amizade. Obrigado por nos ensinar – disse Kerri Walsh, dona de três ouros olímpicos, em resposta à postagem de Alison.

Evandro diz que André o procurou

Imprudente ou não, o fim da parceria entre Alison e André ainda não teve efeitos práticos nas outras duplas. Ao que tudo indica, os outros times não estão dispostos dessa vez a pagar o preço de uma mudança e consequente formação de última hora. Evandro, ex-parceiro de André, conta que foi procurado pelo jovem, mas que recusou a oferta: “Estou fechado com o Bruno pelo menos até 2021”. Lembrando que André deixou Evandro para jogar com Alison quando os dois viviam em 2018 o melhor momento da carreira – eram os atuais campeões do Circuito Mundial, Copa do Mundo e Circuito Brasileiro.

Outras duplas como Guto/Saymon e Pedro Solberg/Vitor Felipe também afirmaram que vão manter a mesma formação durante a corrida olímpica. Com essa resistência das outras duplas, o mercado para que Alison e Andre sigam em busca de uma vaga em Tóquio 2020 é cada vez mais restrito. Com pontos pelo ranking da Federação Internacional de Vôlei de Praia, que qualificam um atleta para um torneio de porte pré-olímpico, sobram poucos atletas “elegíveis”. Os principais cotados são Álvaro Filho (atual parceiro do campeão olímpico Ricardo) e George (dupla de Thiago). Ambos afirmaram à reportagem do GloboEsporte.com que não estão fechados com Alison ou André.

Neste final de semana acontece a etapa de Natal do Circuito Brasileiro de Vôlei de Praia e, por enquanto, nenhuma mudança oficial nas duplas foi formalizada. Até mesmo André e Alison seguem confirmados no torneio. Desde que inscritos no campeonato com uma semana de antecedência, os atletas das duplas podem mudar de formação até o congresso técnico da etapa do Circuito Brasileiro (geralmente numa quinta-feira, enquanto a etapa termina no domingo). Para que essas alterações aconteçam, todos os atletas precisam estar de acordo. Ou seja, ainda podem rolar mudanças durante essa semana.

A Federação Internacional de Voleibol já é mais rigorosa nas exigências e dá o prazo de 21 dias antes do torneio para que as inscrições sejam realizadas. Depois disso, apenas com atestado médico duplas podem ser reconfiguradas. Porém, nenhuma regra exige dos atletas contrato ou projetos duradouros. Um jogador profissional (desde que tenha pontos pelo ranking internacional) pode jogar cada etapa da temporada, se for de seu interesse, com um parceiro diferente.

Diante de tantas peculiaridades, a reportagem do GloboEsporte.com entrou em contato com todos atletas que tentam uma vaga em Tóquio 2020 perguntando a eles “o que você acha que pode ser melhor no vôlei de praia brasileiro” e “o que provoca essas mudanças frequentes”. Até o momento da publicação desta reportagem apenas Bruno, George, Pedro Solberg e Thiago comentaram o assunto. Alison, André, Evandro, Álvaro, Vitor Felipe, Saymon, Guto e Ricardo não deram retorno à reportagem.

Confira opinião dos atletas
Bruno Schmidt

– Eu venho conversando exatamente sobre isso nos bastidores com os próprios atletas e treinadores. É um dos problemas do vôlei de praia, esse amadorismo acaba dando essa cara de falta de comprometimento, de investimento. E tudo isso conspira por conta de não ter um contrato. O vôlei de praia é comparado, em determinados momentos, ao vôlei de quadra. Só que o vôlei de quadra tem um respaldo total de um clube, contratos são feitos, carteiras são assinadas. Ao contrário do vôlei de praia que não tem nada disso.

George

– Acho que essas mudanças no vôlei de praia que vem acontecendo são ruins para o esporte. Você acaba sem ter uma dupla para torcer, você acaba tendo que torcer para atletas individualmente e acho que isso é ruim. O fato de você não ter as duplas atreladas a um clube ou algo do tipo também dificulta. Acho que essa atrelação seria melhor para o esporte em si, poderia deixar ele mais profissional.

George apontou também o que ele entende ser o motivo dessa troca frenética:

– Acho que essas mudanças constantes são por busca de rendimento mesmo. Acho que o pessoal busca muito ter uma dupla mais competitiva, que dê mais resultado. E isso acaba fazendo com que você mude bastante de duplas. Só que muitas pessoas fazem isso muito precocemente devido a essa constante busca, né. Você achar que a sua equipe não vai dar certo e não dão asas, não dão tempo mesmo para poder ver se a sua dupla vai funcionar.

Pedro Solberg

– O que tá acontecendo agora não é uma regra para o vôlei brasileiro não, é atípico. Já tive muitos parceiros, por vários motivos. Estamos vivendo um momento difícil, isso não beneficia ninguém. A gente vai ter que se fortalecer bastante com uma corrida olímpica em tão pouco tempo. A gente sempre viu o vôlei de praia como um esporte individual, porque a ideia de você ter um contrato, amanhã ou depois você pode não ter reserva. Não é bom também estar amarrado em um contrato e uma dupla. Às vezes, a dupla não tem o mesmo comprometimento, os mesmo objetivos que você.

O atleta olímpico disse ainda que vê o vôlei de praia como um esporte individual:

– Temos que tomar um cuidado onde colocamos o vôlei de praia. Pode ser um esporte amador, mas que trouxe muitas medalhas olímpicas pro Brasil. Mas nunca deixamos de trazer nenhuma medalha, independente do que está acontecendo agora. É natural a gente passar por momentos de dificuldades. A gente não é um clube, somos atletas individuais. Não somos representados por ninguém. Quem representa são os próprios atletas. A gente tem um apoio muito grande do Comitê Olímpico, da Federação. A gente representa o Brasil, mas não está representando clube nenhum. Esporadicamente, temos um patrocinador.

Thiago Barbosa

– Mais incentivos, mais torneios. Essa é uma das melhores maneiras para que os atletas continuem em atividade e joguem mais. Assim os atletas conseguiriam viver do vôlei de praia e não sobreviver do vôlei de praia. E eu acho que por isso acontecem tantas mudanças, porque as pessoas têm menos tempo para o trabalho, têm menos torneios, dinheiro, oportunidade de mostrar o seu valor e o seu trabalho. A gente não tem uma estrutura definida de competições. Mas também entendo que, hoje em dia, é inviável aumentar o número de competições. A gente teve uma diminuição no orçamento da CBV muito drástica. Nós deveríamos, no Brasil, ter alguma outra maneira de fazer isso. Acho que esse pode ser um dos motivos da gente ficar nesse “troca-troca” frequente no vôlei de praia.

Thiago comentou também sobre o fim da parceria entre Alison e André:

– Apesar de eu não gostar disso, eu entendo a situação deles (Alison/André). O André hoje é o atual campeão do mundo e vai ter a Copa do Mundo esse ano. O Alison é o atual campeão olímpico. São dois atletas bem expressivos. Eles têm a parte deles e estão defendendo títulos importantíssimos, buscando se manter no topo da lista do mundo. Acho que todo mundo tem que buscar o seu lugar ao sol. Infelizmente, é feio para o esporte, mas de alguma maneira eles estão tentando. Não critico. Quem acompanhou de perto viu que eles tentaram realmente manter esse time. Acho que esse time até daria certo. Eles realmente precisariam de tempo e a Olimpíada está batendo na porta, mas acho que eles vão se sair bem de alguma maneira daqui para frente.

Fonte: Globo esporte


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