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Decepção, insegurança e o que esperar em 2020 após pior campanha do Brasil em Mundiais

Maior medalhista da história do Campeonato Mundial de vôlei de praia, com 31 pódios conquistados desde 1997, o Brasil encerrou sua participação neste domingo em Hamburgo, na Alemanha, com o pior desempenho em 23 anos de torneio. O começou foi animador com a quebra do recorde de número de vitórias em sequência por um mesmo país: 19 triunfos consecutivos. No entanto, no decorrer da competição, as duplas brasileiras amargaram eliminações precoces e sequer chegaram às semifinais.

Isso jamais tinha acontecido. O pior desempenho até então tinha sido em 2007, na Suíça, quando o Brasil saiu com o bronze de Juliana e Larissa. É, portanto, a primeira vez que o país sai de “mãos abanando” de uma competição internacional desse porte, incluindo Olimpíadas. A um ano dos Jogos Olímpicos de Tóquio é impossível não refletir sobre os resultados em Hamburgo. Por isso, o GloboEsporte.com traz abaixo a opinião de três especialistas da modalidade. Os comentaristas Marco Freitas e Nalbert e a repórter Winne Fernandes avaliam a participação brasileira.

Nalbert
O feminino foi uma decepção por conta das duplas já estarem formadas há bastante tempo, por já estarem em um projeto consistente. Acho que falta um pouco de renovação, quem sabe jogadoras mais altas para poder incomodar mais. Estou vendo que fisicamente o vôlei de praia está se tornando um esporte muito interessante. No feminino imagino que foi uma triste coincidência porque a gente tem as líderes do ranking Ágatha e Duda. Teve Barbara e Fernanda chegando nas quartas. A Ana Patrícia e a Rebecca, terceiras do ranking. Tenho certeza que vão se recuperar e fazer uma temporada interessante.

No masculino essas mudanças todas trazem um pouco de insegurança. Muita mexida, pouco entrosamento das duplas. Eu tenho acompanhado no masculino que as principais duplas internacionais estão juntas há bastante tempo. Elas conseguem compor o lado técnico com o lado físico. Fisicamente os jogadores estão gigantes, 2,05m, 2,06m. Isso tudo faz muita diferença hoje em dia. Acho que a maior decepção fica por conta do Bruno e do Evandro, que perderam na primeira rodada eliminatória. A gente esperava bem mais deles, um campeão mundial e outro campeão olímpico. O Alison e o Alvaro, até mesmo pela experiência do Alison em Mundiais, poderiam ter ido mais longe.

Marco Freitas
O resultado geral foi abaixo do esperado. Principalmente, no feminino. As equipes brasileiras poderiam ter ido mais longe, principalmente Agatha/Duda e Ana Patrícia/Rebecca. Foi inesperado. Mas as circunstâncias do campeonato ajudaram os europeus. A temperatura estava muito baixa. Isso pesou. Não retrata bem a realidade. Para o Circuito Mundial e para o ranking olímpico não mudou muito. Agatha e Duda são líderes, e Rebecca e Ana Patrícia são apontadas por todos como a revelação.

As meninas tropeçaram, mas não vejo como um problema. As meninas vêm muito bem. O Brasil não ganhou o Mundial, mas tem duas duplas entre as três melhores do ranking mundial. Eu encaro o que aconteceu como um tropeço, um acidente de percurso. Não preocupa para a Olimpíada. Se continuar assim, vão chegar com toda chance de medalha.

O masculino ficou prejudicado por essa grande troca que teve entre as duplas. Elas estão juntas a quatro, cinco meses. Isso é muito pouco. Falta entrosamento, então ficou girando muito na questão individual. Daqui a pouco o masculino vai apresentar resultados. Questão de tempo.

Para a Olimpíada, o masculino já ganha o entrosamento necessário. Temos muitos jogadores bons, mas que precisam se entrosar em suas duplas. Tem muitas etapas do Circuito Mundial e posso apostar que já já vamos ver essa evolução.

Winne Fernandes (direto de Hamburgo)
Dolorido. Frustrante. Impactante. Todas essas sensações traduzem de certa forma o sentimento que fica da participação brasileira em Hamburgo. Tratando-se de Brasil, é impossível não gerar uma expectativa. E uma passagem em branco realmente assusta e levanta uma série de questionamentos às vésperas de 2020. Acompanhando de perto cada uma das duplas que passou pela arena AM Rothembaum seria injusto dizer que o Brasil ficou longe de uma boa atuação. Pelo contrário, dois jogos, por exemplo, em que os brasileiros foram eliminados, uma só bola poderia teria mudado a história do torneio.

Nas quartas de final, Andre e George tiveram quatro match points e acabaram fraquejando para fechar, avançar às semifinais e quem sabe até disputar o título. Esses detalhes, no entanto, são do jogo. Ágatha e Duda foram eliminadas nas oitavas num confronto muito semelhante, também com oportunidade de match point. Pontualmente, muitas atuações não chegam a assustar, mas tratando-se de uma reflexão geral, o Brasil foi punido pelas escolhas imprudentes que fez nos últimos 13 meses, tratando-se especificamente do masculino.

As trocas de duplas sempre foram comuns desde que a modalidade se tornou olímpica em Atlanta 1996. Muito fala-se em dança das cadeiras, mas não de forma tão frenética como tem sido no caso dos times masculinos. Desde que Alison e Bruno abriram o projeto ouro olímpico na Rio 2016, em maio de 2018, uma série de mudanças compulsivas passaram a permear os homens. Uma em especial teve consequências drásticas nos resultados do Brasil.

André abriu a dupla com Evandro no auge dos dois para jogar ao lado de Mamute. Em maio de 2018 os dois eram a melhor dupla do mundo – atuais campeões do Circuito Mundial, do próprio Campeonato Mundial e também do Circuito Brasileiro. E aí eu volto ao fato de que é comum esse tal “jogo com você hoje e amanhã sou seu adversário”. Mas não nessas circunstâncias. No vôlei de praia as trocas de duplas são quase como as trocas frenéticas de técnicos no futebol brasileiro. Quando nada está dando certo e você quer um resultado imediato, você simplesmente troca de parceiro. É isto que acontece e está incutido na cultura da modalidade.

Mas a escolha de André realmente teve um efeito devastador nos resultados brasileiros, visto que a decisão de jogar com Alison na prática não deu certo. Os dois ficaram menos de um ano juntos e não conquistaram sequer um ouro enquanto dupla. E aí o que acontece nestes casos? Nova troca, que reflete em outras mudanças, inevitavelmente. Os últimos 13 meses do vôlei de praia masculino têm sido instáveis. Chegou um ponto em que todo mundo que está no cenário de ponta já foi parceiro ou adversário.

Outro dia recebi uma mensagem do colega Guilherme Costa de um ciclo que faz todo sentido e aqui preciso compartilhar com vocês: Pedro Solberg já jogou com o George, que joga com André, que já jogou com Alison, que já jogou com Bruno, que joga com Evandro, que já jogou com Vitor Filipe, que já jogou com Evandro, que já jogou com Pedro Solberg.

Exatamente por essa falta de identidade das duplas, acredito que os resultados no masculino foram de certa forma uma punição pela gestão das duplas no último ano. Sem contar na evolução do mundo, que aconteceu paralelamente a esse apagão do Brasil. Enquanto as cadeiras estavam girando internamente, os outros países se fortaleceram. Inclusive com a presença de muitos técnicos brasileiros, que cada vez mais são exportados para comandar seleções de fora – caso da primeira medalha olímpica da Itália com Nicolai e Lupo sob o comando do brasileiro Paulão.

Aliás, foi justamente neste período de troca-troca que a dupla dos noruegueses Mol e Sorum ganhou o cenário internacional, tornando-se campeã do Circuito Mundial. Quando André e George estavam no auge, por exemplo, o mundo ainda nem sabia quem eram os dois novinhos.

No feminino, acredito que foi do jogo. Uma triste coincidência as quatro duplas serem eliminadas de forma precoce. Não há um problema crônico por trás dos resultados, ainda que nos bastidores muitos atletas tenham repercutido a estatura das nossas bloqueadoras em comparação ao resto do mundo. Especialmente nas condições de jogo de Hamburgo, com muito vento. Nas quadras externas da arena AM Rothembaum foi nítido o sofrimento das duplas brasileiras para controlar as adversidades do clima.

E é nesta hora que um passe não encaixa, um levantamento não sai na medida, o bloqueio cresce. Nessas condições, o físico muitas vezes prevalece à técnica. Nessas horas também os 15cm de diferença entre uma brasileira e uma gringa se tornam um metro. Esse talvez tenha sido o recado que a eliminação no feminino deixa. O Brasil precisa se preocupar com a renovação de suas atletas e garimpar jovens altas para o bloqueio. Até porque a sensação de ser superado pela brutalidade e não pelo talento é péssima. É exatamente o que estou digerindo agora.

Fonte: Globo esporte


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