Oito meses após chegar ao Brasil, a venezuelana Beatriz finalmente comemora o emprego como costureira em Boa Vista, capital de Roraima, a mais de mil quilômetros de sua cidade natal, El Tigre.
Os R$ 250 semanais vão ajudar a pagar o aluguel de R$ 900 que ela divide com o marido, o filho, a nora e dois netos. Mas Beatriz, que prefere não ter seu nome divulgado, sabe que seu trabalho vale um pouco mais.
— Minhas companheiras de trabalho, brasileiras, recebem R$ 300. A minha patroa diz que é porque eu não tenho carteira de trabalho. Eu não vou reclamar, porque eu preciso do trabalho.
Venezuelanos entrevistados pela reportagem do R7 em Boa Vista alegam receber menos do que os brasileiros pelos mesmos serviços. E com a chegada de mais imigrantes venezuelanos, cujo fluxo se tornou ainda maior em 2018, os valores estão caindo ainda mais.
O ajudante geral Daniel Ribas, de 30 anos, circula pela capital de Roraima de bicicleta com um cartaz indicando que busca “trabalho” ou “diária”.
Há dois anos em Boa Vista, ele afirma já ter feito todo tipo de trabalho, como limpeza de quintal e terrenos, serviços gerais, pequenas obras ou em fazendas. Já chegou a receber mais de R$ 100 em uma diária, mas neste ano a situação piorou.
— Há uma desconfiança com os venezuelanos.
A redução no valor das diárias é confirmada por Luis Vallenilla, de 36 anos, que há cinco meses chegou ao Brasil vindo de Puerto Ordaz, a 830 km de distância.
— Uma diária antes era R$ 150, mas agora sai por R$ 40 ou até R$ 30. Hoje só porque sabem dos venezuelanos [que estão chegando], as diárias vem baixando. Não sei por que nos desprezam.
Em razão das baixas diárias, Vallenilla decidiu nas últimas semanas trabalhar com a venda de suco de limão e manga, que custa R$ 1,00 o copo, nos dias ensolarados que chegam a 30 graus na capital roraimense.
“Eles pagam diárias baixíssimas aos venezuelanos, faxinas, trabalhos de pedreiro, jardinagem, etc., por R$ 30 o dia”, diz a funcionária de um serviço de apoio aos migrantes, que também pediu para não ser identificada pela reportagem.
A depreciação da força de trabalho venezuelana na capital de Roraima afeta também as profissionais de sexo. Prostitutas imigrantes cobram em média R$ 80 pelo serviço, enquanto as brasileiras recebem acima de R$ 100. Algumas venezuelanas chegam a cobrar menos de R$ 50.
Desafios para inserção laboral
Estado menos populoso do país, Roraima tem dificuldades para inserir os venezuelanos no mercado de trabalho. Com os setores industrial e agropecuário de menor escala, os serviços respondem por 77% do PIB estadual (calculado em R$ 10,3 bilhões em 2015, no dado mais recente do IBGE).
“Apesar da população pequena, o padrão de renda não é baixo, já que o poder público é o principal empregador. Mas o número de consumidores é baixo, o que limita a capacidade de serviços”, diz o professor João Carlos Jarochinski, coordenador do curso de Relações Internacionais da UFRR (Universidade Federal de Roraima).
— O que impede também a inserção laboral da população migrante é a validação do diploma, que é um processo caro e muito burocrático.
Segundo o professor Gustavo Simões, especialista em migrações da UFRR, a crise econômica vivida pelo Brasil e a elevada taxa de desemprego criam dificuldades extras, em especial em um Estado com a economia pouco dinâmica.
— Sem grandes indústrias, sem grandes serviços, Estado pequeno em termos populacionais, problemas estruturais de revalidação de diploma e ingresso no ensino superior, além da crise econômica, todos esses fatos dificultam o acesso ao mercado formal de trabalho, ou um trabalho coerente com a formação que ele tem. Temos engenheiros venezuelanos trabalhando com garçons, por exemplo.
Censo realizado pela prefeitura de Boa Vista em junho indica que vivam 25 mil venezuelanos na capital, dos quais 16,2 mil estão desempregados.
Fonte: R7
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